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Esto No Es una Clase: Investigando la educación disruptiva en los contexros educativos formales



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Síndrome de Tourette
Síndrome de Tourette

A síndrome de Tourette (ST) é uma patologia de comprometimento psicossocial que acarreta alterações significativas na vida dos seus portadores e respectivos familiares. Este artigo aborda diversos aspectos relacionados a esta doença, incluindo etiologia, epidemiologia, aspectos neurobiológicos, quadro clínico, diagnóstico, patologias associadas e tratamento (clássico e alternativo). Neste trabalho, ainda comparamos a ST com outras doenças, envolvendo tiques e mencionamos as associações de apoio aos pacientes portadores de ST, que auxiliam no tratamento e na socialização do paciente afetado.

A síndrome de Tourette (ST) é uma patologia caracterizada pelo comprometimento psicológico e social dos acometidos, causando impacto na vida dos portadores e familiares (Hounie e Petribú, 1999). Ela é geralmente associada ainda a uma variedade de problemas comportamentais e emocionais (Singer e Minzer, 2003).



A primeira descrição de um paciente com tiques e comportamentos, que caracterizam a ST, ocorreu em 1825, pelo médico francês Jean Marc Gaspard Itard, que diagnosticou a maldição dos tiques na Marquesa de Dampierre (Itard, 1825). Entretanto, somente em 1884, esta patologia recebeu o nome de síndrome de Gilles de la Tourette (ST), quando o aluno Gilles de la Tourette, no Hospital de la Salpêtrière, relatou a patologia como um distúrbio caracterizado por tiques múltiplos, incluindo o uso involuntário ou inapropriado de palavras obscenas (coprolalia) e a repetição involuntária de um som, palavra ou frase de outrem (ecolalia), baseado nos relatos do próprio Itard (Gilles de la Tourette, 1885ab).

Nos últimos anos, a incidência de casos de ST vem crescendo em todo mundo, provavelmente, devido à maior disponibilidade de informações e conhecimento sobre esta doença pelas equipes de saúde que a diagnosticam (Hounie e Petribú, 1999).

O objetivo deste trabalho é abordar, de forma abrangente, diversos aspectos da ST, incluindo a sua definição, a etiologia, o quadro clínico, a epidemiologia, o diagnóstico e o tratamento, bem como, alguns de seus aspectos neurobiológicos e associações de apoio a portadores de ST.

A ST, até pouco tempo, era considerada uma condição rara de índices de baixíssima incidência na população mundial (0,5/1000, em 1984) (Bruun, 1984). Entretanto, tem-se observado, atualmente, através de estudos de prevalência, o aumento de sua incidência nos últimos anos (Robertson e Stern, 1998; Hounie e Petribú, 1999; Robertson, 2003; Eapen et al., 2004).

Estudos atuais demonstram que a taxa de prevalência pode variar de 1% (Kadesjo e Gillberg, 2000) a 2,9% (Mason et al., 1998) em alguns grupos. Contudo, este dado deve ser subestimado, uma vez que depende, em parte, dos critérios e métodos utilizados e do tipo de estudo epidemiológico realizado (Robertson, 1989). Dados estatísticos internacionais mostram que esta síndrome é encontrada em vários países, independentemente de classe social ou de etnia, acometendo cerca de três a quatro vezes mais o sexo masculino, em relação ao sexo feminino (Robertson, 1989; Robertson, 1994; Arzimanoglou, 1998; Freeman et al., 2000; Robertson, 2000; Scahill et al., 2001).

Estudos mostram que a prevalência de ST é dez vezes maior em crianças e adolescentes (Burd et al., 1986), sendo que, quando tiques são considerados isoladamente, a freqüência aproximada varia de 1% a 13% nos meninos e 1% a 11% nas meninas (Leckman e Peterson, 1993). A razão para este aumento na detecção da incidência mundial da ST parece ser a melhoria na divulgação e no conhecimento das características clínicas da ST, entre os profissionais da área de saúde (Kushner, 1995; Hounie e Petribú, 1999).

 

A ST é um distúrbio genético, de natureza neuropsiquiátrica, caracterizado por fenômenos compulsivos, que, muitas vezes, resultam em uma série repentina de múltiplos tiques motores e um ou mais tiques vocais, durante pelo menos um ano, tendo início antes dos 18 anos de idade (American Psychiatry Association, 1994; World Health Organization, 2000; Peterson, 2001; Pauls, 2003). Estes tiques podem ser classificados como motores e vocais, subdividindo-se, ainda, em simples e complexos. Geralmente, pacientes com ST apresentam, inicialmente, tiques simples, evoluindo para os mais complexos; entretanto, o quadro clínico pode variar de paciente para paciente (Leckman et al., 2001; Mercadante et al., 2004).

 

Os tiques motores classificam-se de acordo com o grupamento muscular envolvido. Os tiques motores simples caracterizam-se por movimentos abruptos, repetidos e sem propósito, envolvendo contrações de grupos musculares funcionalmente relacionados (por exemplo, piscar os olhos e movimentos de torção de nariz e boca). Os tiques motores complexos são mais lentos, envolvem grupos musculares não relacionados funcionalmente e parecem propositais (The Tourette Syndrome Classification Study Group, 1993; Hounie e Petribú, 1999). Os tiques motores complexos incluem imitação de gestos realizados por outrem, sejam eles comuns (ecocinese) ou obscenos (ecopraxia) e a realização de gestos obscenos (copropraxia) (Braunwald et al., 2002). São freqüentemente observados compulsões e gestos balizados, simétricos ou mesmo movimentos violentos com arremesso de objetos.

 

Os tiques vocais simples incluem, comumente, coçar a garganta e fungar, enquanto que os tiques vocais complexos compreendem o uso involuntário ou inapropriado de palavras chulas ou obscenas (coprolalia), repetição de palavras ou frases (palilalia) e repetição involuntária das frases de outrem (ecolalia) (Arzimanoglou, 1998; Hounie e Petribú, 1999). Observa-se, também, o uso repetido de palavras aleatórias, caracterizadas por sonoridade complexa ou exótica, arbitrariamente colocadas entre ou no meio das frases. É importante ressaltar que a simples presença do tique não caracteriza a ST, uma vez que, estudos comprovaram que, 10% das crianças, presentes na população em geral, apresentam tiques em algum momento. Todas as formas de tiques podem ser exacerbadas por estresse, sendo normalmente reduzidas durante o sono e em algumas atividades que exijam concentração (Arzimanoglou, 1998; Mercadante et al., 2004). Estudos sobre tiques mostram que estes têm início em torno dos 5 aos 10 anos de idade (Arzimanoglou, 1998) e tornam-se mais pronunciados na faixa etária de 10 e 13 anos (Leckman et al., 1998). Entretanto, cerca de 90% dos pacientes com ST apresentarão remissão e mais de 40% estarão livres dos tiques até o fim da adolescência (Arzimanoglou, 1998; Leckman et al., 1998; Burd et al., 2001).

Com base nesses dados, o diagnóstico da ST é realizado através da presença de sinais e sintomas característicos e pela história de surgimento desses sintomas. Não existe, atualmente, nenhum teste laboratorial específico que confirme o diagnóstico da ST. Contudo, exames complementares (EEG, tomografia ou análises sangüíneas) podem ser úteis no diagnóstico diferencial da ST, contribuindo para a exclusão de outros distúrbios que possuem sintomas semelhantes (Jankovic, 2001).



Devido ao fato de a ST não apresentar um sintoma único, mas um conjunto de sinais e sintomas, a dificuldade no diagnóstico é evidente, quando se compara esta patologia com outras relacionadas, como: doença de Wilson, doença de Huntington, coréia de Sydenham, doença de Hallervorden-Spatz e com alguns tiques simples e múltiplos (Tabela 1). Dependendo da equipe de saúde que atende o paciente afetado pela ST, o seu diagnóstico pode demorar muito, sendo os sintomas atribuídos comumente a algum transtorno psiquiátrico. Esses diagnósticos demorados e/ou errôneos podem submeter os pacientes a tratamentos desnecessários e dispendiosos, antes de se definir propriamente a patologia e o procedimento correto a ser realizado.

No entanto, algumas características peculiares e o quadro clínico do paciente auxiliam no diagnóstico conclusivo da ST, onde sintomas como: a presença de múltiplos tiques motores e vocais, com início antes dos 18 anos de idade, sem origem em nenhuma resposta fisiológica (por exemplo, uso de estimulantes), com ocorrências diárias, estendendo-se por mais de um ano e com comprometimento social, ocupacional e/ou emocional, tornam-se decisivos para a definição do quadro patológico (Braunwald et al., 2002).

Durante a última década, tem sido possível observar significativo progresso na investigação genética da etiologia da ST. Anormalidades cromossomiais em indivíduos e famílias portadoras da ST têm sido estudadas, no intuito de identificar genes como o gene A da monoamina-oxidase (MAOA) (Gade et al., 1998; Díaz-Anzaldúa et al., 2004a) e regiões cromossômicas como a 18q22 (Cuker et al., 2004), 17q25 (Paschou et al., 2004) e 7q31 (Díaz-Anzaldúa et al., 2004b), que parecem estar envolvidas nesta patologia (Brett et al., 1996; Kroisel et al,. 2001; Petek et al., 2001; Crawford et al., 2003; State et al., 2003, Merette et al., 2000; Simonic et al., 2001). Neste processo de identificação, evidências sugerem que a ST seja um distúrbio genético de caráter autossômico dominante, visto a freqüência de casos de tiques e manifestações obsessivo-compulsivas entre familiares desses pacientes, observada em estudos multicêntricos (Pauls et al., 1991; Eapen et al., 1993; Freeman et al., 2000; Robertson, 2000). Até o presente momento, não foi possível identificar um marcador genético de forma definitiva para a ST (Díaz-Anzaldúa et al., 2004a).

Com isso, outros fatores também têm sido associados à patogênese da ST, tais como, o possível papel de infecções estreptocócicas na patogênese dos tiques (Cardona e Orefici, 2001; Hoekstra et al., 2004). Em alguns casos, as reinfecções por Streptococcus estão diretamente associadas com a recorrência de sintomas neuropsiquiátricos (Swedo et al., 1993 e 1998). A detecção de auto-anticorpos que reagem com o tecido cerebral em pacientes com tiques e/ou distúrbios obsessivo-compulsivos (Kiessling et al., 1993) levou os pesquisadores do Instituto Nacional de Doenças Mentais (National Institute of Mental Health – NIMH) a formularem critérios clínicos para um subgrupo de crianças com distúrbios obsessivo-compulsivo ou ST, nas quais as exacerbações dos sintomas são bruscas, dramáticas e temporariamente relacionadas com infecções Streptococcus ß-hemolítico do grupo A. Esse quadro clínico gerou a denominação distúrbios neuropsiquiátricos pediátricos auto-imune associados com infecções estreptocócicas (Swedo et al., 1997 e 1998). Anticorpos dirigidos contra a glicoproteína de oligodendrócito da mielina (MOG) também têm sido implicados como possível fator auto-imune na patogênese da ST (Huang et al., 2004). Existem ainda possíveis indicações do envolvimento de infecções não-estreptocócicas na etiologia da ST, como a relação temporal entre infecções respiratórias virais e exacerbação de tiques (Hoekstra et al., 2004) e o aumento de receptores para o fragmento Fc da imunoglobulina IgM, em linfócitos B, em pacientes portadores de tiques (Hoekstra et al., 2001). Entretanto estudos ainda estão sendo realizados para determinar a relação direta entre estes quadros infecciosos e a ST.

Eventos pré ou pós-parto, onde a gravidade dos estressores durante a gestação tem sido analisada como fatores que poderiam contribuir para o desenvolvimento de distúrbios de tiques e para a patogênese da ST (Hyde et al., 1992; Leckman et al., 1990; Robertson, 2000; Leckman e Herman, 2002). A análise de segregação de famílias indica que a ST é herdada de acordo com o padrão autossômico dominante com penetrância variável, dependendo do sexo (Eapen et al., 1993). Com isto, em virtude da elevada incidência de ST e tiques no sexo masculino, investiga-se a exposição do sistema nervoso central a altos níveis de testosterona e/ou outros hormônios gênero-específicos, como fatores importantes no desenvolvimento desta patologia (Leckman e Peterson, 1993, Eapen et al., 1993).



O estudo de imagens neurológicas tem possibilitado melhor entendimento sobre a base neural da ST, bem como, de sua provável patogênese (Gerard e Peterson, 2003). Diversas evidências do envolvimento do circuito córtico-estriato-tálamo-cortical (CSTC) e seus sistemas de neurotransmissão, associados com as características clínicas e comorbidades presentes na ST, têm sido amplamente divulgadas na literatura (Lou et al., 1989; Peterson, 2001; Singer e Wendlandt, 2001; Singer e Minzer, 2003). A supressão de tiques de pacientes submetidos a leucotomias e talamotomias, pela interrupção do circuito CSTC, apontam para o envolvimento direto deste na ST, sendo este fato observado através da visualização funcional da ressonância magnética, da análise das medidas de área do corpo caloso e pelo metabolismo da glicose e fluxo sangüíneo nas áreas corticais (Rauch et al., 1995; Singer e Minzer, 2003). Apesar de questionável (Chemali et al., 2003), a análise comparativa de imagens funcionais de ressonância magnética da atividade na região do córtex sensóriomotor e na área motora suplementar, durante a realização de uma tarefa motora predeterminada, em um grupo de pacientes com ST e um grupo controle, demonstraram ativação de regiões similares em ambos os grupos, mas com um número e dispersão das áreas de ativação da região do córtex sensório-motor apresentando-se visivelmente maiores em pacientes com ST (Figura 1) (Biswal et al., 1998). Estes resultados sugerem que, em tais pacientes, exista uma ativação anormal no córtex sensório-motor e nas áreas motoras suplementares. A visualização funcional utilizando a ressonância magnética nuclear, na qual foram comparadas imagens adquiridas, tanto em períodos de supressão voluntária de tiques, quanto durante a expressão espontânea, mostrou o efeito da supressão dos tiques na mudança de sinais nas regiões cortical e subcortical do cérebro. Isso indica que a supressão voluntária de tiques envolve a ativação do córtex préfrontal e do núcleo caudado, desativação bilateral do putâmen e do globo pálido (Peterson et al., 1998). As mudanças de atividade cortical e subcortical observadas nesse estudo sugerem, ainda, que a patogênese dos tiques envolve atividade neuronal dentro de circuitos neuronais subcorticais, reforçando, assim, a provável importância do circuito CSTC na fisiologia dos tiques e de seu controle voluntário (Peterson et al., 1998). Os resultados envolvendo imagens de ressonância magnética, obtidas durante a expressão de tiques fônicos, também sugerem que o circuito CSTC contribui, dentre outras coisas, para a inibição comportamental do indivíduo, pela modulação de atividade com o gânglio de base e o tálamo (Singer, 1997; Peterson et al.,1999; Gates et al., 2004). Isso poderia justificar a ocorrência de tiques em pacientes com ST, nos quais a atividade inibitória das projeções GABAérgicas do estriato para o globo pálido estivesse comprometida. No caso do corpo estriato não inibir a ação dos neurônios glutaminérgicos encontrados no tálamo, projeções excitatórias seriam então enviadas do tálamo para o córtex. Pacientes com ST são considerados incapazes de inibir o estímulo secundário ao fenômeno sensório-premonitório, que resulta na ativação do circuito motor e no desenvolvimento dos comportamentos motores e fônicos (Peterson et al., 1999). Anormalidades nos volumes dos gânglios de base no corpo caloso também foram observadas em portadores com ST (Peterson et al., 1993; Singer et al., 1993). A participação de uma alça associativa, contendo dois subcircuitos originários no córtex pré-central, pré-motor, parietal posterior e órbito-frontal lateral, com projeções para a cabeça do núcleo caudado, globo pálido medial e núcleos talâmicos anteriores e dorso medial, tem sido recentemente sugerida. O comprometimento desses circuitos estaria associado, dentre outros sintomas, à falha em responder às convenções sociais, com o uso de gestos e expressões inadequadas, fatos comumente presentes nos transtornos obsessivo-compulsivos (TOC) e na ST (Bar-Gad et al., 2003; Groenewegen, 2003).



Estudos de tomografias de emissão têm revelado hipometabolismo e hipoperfusão em regiões do córtex frontal e temporal, no cíngulo, estriado e tálamo de pacientes com ST (George et al., 1992). Estes estudos de análise do metabolismo de glicose e do fluxo sangüíneo na região córtico-estriatal têm identificado anormalidades, principalmente envolvendo o gânglio de base e áreas corticais destes indivíduos. A observação de tomografia por emissão de pósitrons (PET) depois da injeção de [18F]2-fluoro-2-2desoxiglicose revelaram aumento bilateral simétrico ou diminuição da utilização da glicose dentro do gânglio de base e redução de atividade nos córtex frontal, cíngulo e insular (Baxter et al., 1990; Stoetter et al., 1992; Braun et al., 1995). Conjuntamente, estudos de fluxo sangüíneo cerebral, por tomografia de emissão de fóton (SPECT), têm identificado hipoperfusão do gânglio de base (Hall et al., 1991), sendo observada a redução do fluxo sangüíneo na região lenticular esquerda (Riddle et al., 1992; Moriarty et al., 1995). Estudos polissonográficos em pacientes com ST têm demonstrado, ainda, que estes apresentam distúrbios relacionados ao sono, apesar da tomografia cerebral computadorizada (TCC) geralmente apresentar-se sem anormalidades (Glaze et al., 1983; Robertson, 1989, Cohrs et al., 2001).

Do ponto de vista neuroquímico, diversas hipóteses sugerem o envolvimento do sistema dopaminérgico na patogênese da ST, visto que os neurolépticos, antagonistas da dopamina, são considerados efetivos no tratamento desta doença, por promover grande redução dos tiques (Singer et al., 1982; Golden, 1988; Shapiro et al., 1989; Singer, 1997). Por outro lado, os estimulantes como o metilfenidato, a cocaína, a pemolina e a L-dopa causam exarcebação dos tiques (Arzimanoglou, 1998). Com base nestes dados, a literatura sugere alguns mecanismos pelos quais o sistema dopaminérgico poderia estar envolvido, tais como, anormalidades na liberação de dopamina (Singer et al., 2002), hiperinervação dopaminérgica (Malison et al., 1995; Muller-Vahl et al., 2000) e a presença de receptores dopaminérgicos supersensíveis (Grice et al., 1996; Cruz et al., 1997; Díaz-Anzaldúa et al., 2004a) (Figura 1).

Anormalidades no reflexo de piscar os olhos presentes em pacientes com ST podem sugerir também aumento na atividade central dopaminérgica (Smith e Lees, 1989; Tulen et al., 1999; Raffaele et al., 2004). Além disso, um estudo recente, envolvendo análises pos-mortem de tecidos do córtex frontal e estriato, mostrou densidade elevada do receptor dopaminérgico D2 na região pré-frontal de pacientes com ST, o que reforça a importância do sistema dopaminérgico na patogênese da ST (Minzer et al., 2004).

O papel de outros neurotransmissores, tais como, acetilcolina, Gaba, sistema opióide endógeno, serotonina e norepinefrina (Brett et al., 1995; Comings, 1995; Comings et al., 1999; Hebebrand et al., 1997; Robertson, 2000; Eapen et al., 2001; Pauls, 2001; Eapen et al., 2004) vem sendo estudado, já que não se pode descartar o envolvimento de outros neurotransmissores dentro do circuito CSTC (Pauls, 2001). Devido ao fato de não se ter determinado, ainda, todos os fatores envolvidos no quadro neurológico anormal da ST, não se pode excluir a possibilidade da mesma ser uma síndrome multicausal.

Dentre as patologias associadas à ST, o transtorno de déficit de atenção, acompanhado da hiperatividade e de sintomas obsessivo-compulsivos, são descritos na maioria dos estudos relatados na literatura (21% a 90% e 50%, respectivamente) (Robertson e Yakely, 1996; Mercadante et al., 2004). Muitas das crianças afetadas pela ST e portadoras do transtorno de déficit de atenção e hiperatividade podem apresentar também deficiências de aprendizagem (Arzimanoglou, 1998).


 

Uma vez diagnosticada a ST em um indivíduo, aspectos diretamente relacionados aos sintomas, como a localização, freqüência, intensidade, complexidade e interferência na vida diária dos pacientes, devem ser cuidadosamente avaliados antes de se iniciar qualquer conduta terapêutica. O diagnóstico e tratamento precoces são essenciais, a fim de reduzir ou evitar possíveis conseqüências psicológicas para o paciente. A escolha do tipo de tratamento deve ser apropriada para cada portador da ST, podendo incluir abordagens farmacológica e a psicológica. Esta última, além do tratamento psicoterápico do paciente, orienta pais, familiares e pessoas próximas ao mesmo, sobre as características da doença e o modo de lidar com o indivíduo afetado (Hounie e Petribú, 1999; Mercadante et al., 2004).


A natureza intencional dos tiques permite uma abordagem terapêutica comportamental com o objetivo de reduzir sua freqüência através da interrupção da seqüência estímulo-resposta. A reversão de hábito temse mostrado eficaz para o tratamento dos tiques na ST (Wilhelm et al., 2003; Verdellen et al., 2004). Desse modo, um programa terapêutico multidisciplinar deve ser estabelecido, em colaboração com familiares e o paciente, visando o apoio psicológico e a reintegração social do mesmo (Arzimanoglou, 1998).

O uso de medicamentos ou outras técnicas podem trazer tanto benefícios quanto efeitos colaterais e, portanto, a abordagem farmacológica deve ser considerada somente quando os benefícios da intervenção forem superiores aos efeitos adversos. Além disso, fatores psicológicos e sociais podem influenciar na evolução da resposta terapêutica em pacientes com ST (Sandor, 2003).

Até o momento a ST não tem cura, sendo que o tratamento farmacológico é utilizado para o alívio e controle dos sintomas apresentados. O medicamento é administrado em pequenas doses, com aumentos graduais até que se atinja o máximo de supressão dos sintomas com o mínimo de efeitos colaterais. A posologia dos medicamentos varia para cada paciente, necessitando ser avaliada atentamente pelo médico (Associação Brasileira de Síndrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo-compulsivo, 2004).

No grupo dos medicamentos utilizados no tratamento dos portadores de transtornos de tiques, encontram-se os antidepressivos tricíclicos, usados também no transtorno de déficit de atenção e hiperatividade associados, onde é contra-indicado o uso de psicoestimulantes (Spencer et al., 1994). Estudos mostram que os antagonistas dos receptores dopaminérgicos reduzem a freqüência e a severidade dos tiques em cerca de 70% dos casos (Shapiro e Shapiro, 1998). Essas observações sugerem que o bloqueio dos receptores dopaminérgicos tipo 2 é o ponto central para a eficácia do tratamento (Scahill et al., 2000; Sandor, 2003) e por isso, os antagonistas dos receptores de dopamina são largamente utilizados (Hounie e Petribú, 1999).

O haloperidol, um neuroléptico com ação antagônica sobre os receptores dopaminérgicos, iniciou a era do tratamento farmacológico da ST, há cerca de 40 anos (Caprini, 1961; Seignot, 1961; Sandor, 2003). Este medicamento é utilizado inicialmente em pequenas doses (0,25 a 0,5 mg ao dia) com aumentos de 0,5 mg por semana até o máximo de 2 a 3 mg ao dia. A dose deve ser individualizada para cada paciente, havendo relatos entre 0,5 a 40 mg ao dia. Para o controle dos tiques, este medicamento é requerido em baixas doses na maioria dos pacientes com ST, como indicado por um recente estudo, no qual uma dose equivalente à cerca de 2 mg de haloperidol, por dia, atingia a saturação de cerca de 80% dos receptores dopaminérgicos tipo 2. Este nível de efeito seria essencial para a eficácia do tratamento e a diminuição dos tiques (Fitzgerald et al., 2000). O tratamento, entretanto, apresenta uma série de efeitos adversos, como sintomas extrapiramidais de características parkinsonianas, sedação, disforia, hiperfagia com ganho de peso e, o mais grave, discinesia tardia (Sallee et al., 1997; Hounie e Petribú, 1999).

A pimozida tem sido proposta como alternativa ao haloperidol, devido à eficácia comparável e menor ocorrência de efeitos adversos extrapiramidais. Por outro lado, este medicamento possui efeitos de maior gravidade, envolvendo o sistema cardiovascular, incluindo ainda sedação e disfunção cognitiva (Ross e Moldofsky, 1978; Shapiro et al., 1989). A pimozida vem sendo utilizada largamente para o tratamento de ST em doses que variam de 1 a 20 mg ao dia (Sallee et al., 1997; Hounie e Petribú, 1999). Embora raro em baixas doses, o uso prolongado de pimozida pode causar o prolongamento da onda QT (Fulop et al., 1987), e portanto, recomenda-se realizar o exame eletrocardiográfico (ECG), durante a terapia de manutenção (Scahill et al., 2000).

Na prática clínica, existe uma forte tendência a substituir os chamados antagonistas típicos de receptores dopaminérgicos, tais como, haloperidol e pimozida, pelos antagonistas atípicos (risperidona, olanzapina e, em menor extensão, quetiapina) (Van der Linden et al., 1994; Brunn e Budman, 1996; Sandor, 2003) ou por agonistas dos receptores alfa-2-adrenérgicos como a clonidina e a guanfacina (Gaffney et al., 2002). Os antagonistas atípicos oferecem poucos efeitos adversos e vêm substituindo, gradualmente, o haloperidol e a pimozida, como suporte principal no tratamento dos tiques (Sandor, 2003).

Novas opções de tratamento parecem incluir a risperidona, um neuroléptico atípico com potentes propriedades antagonistas D2 e 5-HT2. A propriedade antagonista 5-HT2 parece conferir proteção contra efeitos colaterais extrapiramidais, talvez diminuindo a incidência de discenesia tardia (Scahill et al., 2000). Os efeitos adversos do uso da risperidona são a sedação, aumento de apetite e elevação dos níveis de prolactina. Embora sintomas extrapiramidais sejam eventualmente observados, esses são muito menos freqüentes do que com o uso de haloperidol ou pimozida. Disforia e depressão podem ocorrer em indivíduos predispostos durante o tratamento com risperidona (Margolese et al., 2002). Alguns estudos indicam efeito terapêutico da quetiapina no tratamento de tiques, sendo requerida em altas doses (200 a 500 mg ao dia), entretanto, pode provocar o aumento de peso corporal do paciente (Chanob et al., 2001).

A olanzapina surge como uma droga eficaz no tratamento da ST. Estudos mais recentes mostram que 50% dos pacientes, em uso de olanzapina por oito semanas, apresentaram redução global dos tiques graves e 75% apresentaram melhora parcial do quadro, bem como, de sintomas agressivos presentes na síndrome, sem efeitos colaterais significativos, se comparados com os apresentados no uso dos neurolépticos típicos (Budman et al., 2001; Stamenkovic et al., 2000; Stephens et al., 2004).

Moléculas que mimetizam agonistas alfa-adrenérgicos, como a clonidina e a guanfacina, também podem ser utilizadas no tratamento da ST, apresentando resultados positivos em estudos controle (Peterson et al., 1999). A clonidina é uma droga não-neuroléptica que tem sido usada no tratamento da ST desde a década de 1970 (Cohen et al., 1979). Ela age como um agonista pré-sináptico dos receptores alfa-2, deprimindo o sistema noradrenérgico e promovendo a redução e a freqüência dos tiques (Scahill et al., 2000; Tourette’s Syndrome Study Group, 2002; Sandor, 2003). Por ser um agente anti-hipertensivo, sua administração deve ser acompanhada de monitoramento da pressão arterial. A suspensão abrupta do medicamento tem sido associada a efeito rebote, nos valores de pressão arterial (Leckman et al., 1986). Um estudo comparativo entre o uso da clonidina e da risperidona em crianças e adolescentes, portadores da ST, mostrou equivalência terapêutica entre as duas substâncias reduzindo, respectivamente em 26% e 36% os tiques e em 33% e 66% os sintomas obsessivocompulsivos (Gaffney et al., 2002).

Outro agonista seletivo para o receptor alfa-2 é a guanfacina que tem sido sugerida como substituta à clonidina no tratamento da ST (Sandor, 2003; Mercadante et al., 2004). Esta troca pode trazer benefícios, principalmente quando o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade fazem parte do quadro apresentado pelo paciente (Chappell et al., 1995; Scahill et al., 2001).

Outras drogas tais como a nicotina, tetrabenazina e benzodiazepina também são atualmente empregadas em tratamentos alternativos da ST, bem como, a injeção de toxina botulínica, que pode ser uma boa opção terapêutica para o tratamento de tiques motores e em alguns casos para tiques vocais (Sweet et al., 1974; Jankovic e Orman, 1988; Marras et al., 2001; Silver et al., 2001; Mercadante et al., 2004).

Finalmente, resultados positivos foram verificados com o uso da tiaprida, da sulpirida e da amisulprida (Fountoulakis et al., 2004), com melhoras substanciais dos sintomas. A primeira mostrou-se eficaz no controle dos tiques em crianças, com a vantagem de não produzir efeitos discinéticos marcantes (Eggers et al., 1988).

 

A Associação da Síndrome de Tourette é uma entidade norte-americana, fundada na década de 1970, que reúne pacientes com ST e seus familiares. Esta associação desenvolve materiais educacionais destinados a professores e se dedica ao desenvolvimento de pesquisas e divulgação científica sobre ST, financia pesquisas, promove congressos e reúne os maiores pesquisadores mundiais da área. Além disso, mobiliza milhões de dólares por ano para pesquisas e tratamento da ST (Wertheim, 1981; Tourette Syndrome Association , 2004).

Em 1996, foi criada no Brasil a Associação de Pacientes com Síndrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo-compulsivo (ASTOC), que tem como objetivos divulgar e informar médicos e pacientes sobre a patologia, arrecadar doações para a formação de um fundo de pesquisa, que atenda às necessidades e interesses dos portadores da síndrome, incluindo a área de socialização dos pacientes, que é amplamente assistida pela associação.

A ASTOC, localizada em São Paulo, já tem núcleos em formação em outros estados do país (Associação Brasileira de Síndrome de Tourette, Tiques e Transtorno Obsessivo-compulsivo, 2004).

Um bom exemplo do quanto a ST atinge os seus portadores é o depoimento de um paciente por ela acometido: “...Ter a Tourette é uma loucura, é como estar bêbado o tempo todo. Estar sob o efeito do haloperidol é monótono, faz a gente ficar sóbrio e quadrado, e nenhum dos dois estados é realmente livre. Vocês, ‘normais’, que têm os transmissores certos nos lugares certos, nas horas certas, em seus cérebros, têm todos os sentimentos, todos os estilos disponíveis o tempo todo – seriedade, leviandade, o que for adequado. Nós que temos a Tourette, não, somos forçados à leviandade pela síndrome e forçados à seriedade quando tomamos o remédio. Vocês são livres, têm um equilíbrio natural: nós temos de nos contentar com um equilíbrio artificial...” O relato deste paciente, enquadrado no terceiro grupo da ST e atualmente assistido pelo neurologista Oliver Sacks, é um exemplo do quanto esta síndrome complexa compromete a vida de seu portador (Sacks, 1985). Este paciente tem sua vida controlada, não só pelo medicamento, mas também pela síndrome, cujo mecanismo e tratamento ainda não estão amplamente conhecidos. Ainda é necessária uma melhor compreensão dos aspectos biológicos, genéticos e comportamentais da ST, incluindo sua vasta divulgação na sociedade em geral, e não somente na comunidade médica, de forma a facilitar o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico de pacientes com ST (Pauls, 2003; Eapen et al., 2004).

in http://www.hcnet.usp.br/